terça-feira, maio 30, 2006

Eu e Juliana ou No Galope da Paixão

Escrevi este cordel inspirado em confissões ouvidas em rodas de amigos e em um conto do humorista Chico Anísio, publicado no livro FEIJOADA NO COPA. Se bem que muita gente aposta que se trata de uma passagem autobiográfica. Foi um dos primeiros folhetos que publiquei usando os recursos da informática. O miolo(texto) foi impresso em impressora matricial e a capa, ilustrada com xilogravura do meu amigo Marcelo Soares, impressa em prelo manual por esse xilogravador residente em Timbaúba.


No tempo em que fui menino
não tinha televisão
por isso meu passatempo
era bodoque e pião
tomar banho lá no riacho
e pegar "aduvinhão".

No entanto eu fui crescendo
e já estando um rapaz
ajudava o velho Pedro
a cuidar dos animais
e também da plantação
lá do sítio de meus pais.

E nesse tempo eu ainda
sem ter mulher conhecido
de vez em quando eu sentia
algo em mim endurecido
quando chegava na mente
um pensamento atrevido.

Porém só fui descobrir
o prazer que ele traz
ao conhecer JULIANA
(era bonita demais)
era mesma uma potranca
que não esqueço jamais.

É dela que passo agora
a descrever o roteiro
e também do nosso caso
que é todo verdadeiro
muitas vezes repetido
no nordeste brasileiro.

No jardim da mocidade
o mundo tem mais olor
os dias são mais festivos
a noite tem mais primor
a mente é cheia de sonhos
e o peito cheio de amor.

JULIANA foi a tara
que eu tive na adolescência
com ela foi que vivi
a primeira experiência
numa tarde de janeiro
na solidão da querência.

Momentos inesquecíveis
com JULIANA eu passei
passeando pelos campos
de fazenda onde morei
e desses nossos passeios
eu jamais esquecerei.

Mesmo ficando caduco
agindo como criança
na minha senilidade
(que se não morrer, me alcança)
eu sei que JULIANA vai
estar em minha lembrança.

Ela sempre me levava
pros passeios matinais
pelos rios, pelos campos,
por dentro dos matagais
e desses dias tão bons
sinto saudade demais.

E em nossas cavalgadas
vendo aguçado o sentido
fazia versos pra ela
cantando no seu ouvido
tendo o sol por testemunha
de nosso amor proibido.

Uma vez aconselhado
pelo "nego" Nicanor
levei Juliana pro mato
por entre ânsia e pavor
comecei a lhe alisar
mesmo com certo temor.

E ela naquele instante
pareceu compreender
aquilo que eu queria
pois ficou a se mexer
ficando assim, mais arisca
aumentando o meu querer.

Pus as mãos em suas ancas
e engatei na traseira
ela ficava impassível
satisfeita, prazenteira
saciando meus instintos
na bestial brincadeira.

Depois disso muitas vezes
levei pra junto do rio
aonde tinha um barranco
e então nesse baixio
eu pegava a Juliana
quando ela estava no cio.

Foi tão grande a atração
que por ela eu sentia
que me tornei um escravo
daquela égua vadia
cada vez mais penetrando
na sua ardente enchovia.

Nem o canto das sereias
que dizem ser sedutor
me faria desprezar
o prazer e o calor
que Juliana me dava
quando lhe fazia amor.

Foram dezenas de vezes
de conjugação carnal
pois tarei em Juliana
mas eu achava normal
Juliana era uma ... égua
que não tinha outra igual.

Não queria nem saber
de almoçar e de jantar
só pensava em Juliana
ia pra todo lugar
que vida boa era aquela
como gosto de lembrar.

E nas horas vespertinas
quando o sol desvanecia
pegava sela e arreios
com Juliana eu saía
só voltava quando a noite
os campos verdes cobria.

O meu pai desconfiou
desse meu procedimento
e num dia de domingo
seguir-me teve o intento
e o fez bem sorrateiro
a tudo ficando atento.

E em flagrante delito
por meu pai fui apanhado
e levei um grande pito
que fiquei acabrunhado
mas o que houve depois
foi o golpe mais pesado.

Meu pai não se conformando
com a minha perversão
vendeu então minha égua
foi grande a decepção
ficou por mais de um mês
tristonho meu coração.

Não tendo mais Juliana
eu não quis substitutas
e passei a paquerar
as mais trigueiras matutas
me saciando nas zonas
com devassas prostitutas.

Mas ainda não achei
nenhuma mulher mundana
que seja bastante escrota
experiente e sacana
pra meu causar os prazeres
que tive com Juliana.

Este caso aqui contado
é um fato bem real
que inda hoje acontece
dentro do meio rural
e passa despercebido
do povo da capital.

Agradeço a todos que
me comprar um exemplar
pois comprando este folheto
ao autor vai ajudar
prestigiando o trabalho
do artista popular.

Timbaúba-SET/90.

FIM

domingo, maio 28, 2006

A volta de Virgulino pra consertar o sertão

Volto do sertão. IV Festival Nordestino do Xaxado em Serra Talhada. Cavalhada em São José do Belmonte. Em homenagem aos que bravamente lutam para manter acessa a cultura sertaneja, posto hoje um cordel escrito em 1998, que explora o tema do cangaço, trabalho este que obteve o primeiro lugar no Concurso de Literatura de Cordel promovido pelo Sind. dos Bancários de Pernambuco e foi terceiro colocado no Concurso Nacional de Literatura de Cordel sobre Lampião, promovido pelo Museu Casa do Sertão (Feira de Santana-BA).



Conta Caetano Veloso
Num verso espetacular:
" Minha mãe me deu ao mundo
De maneira singular
Me dizendo uma sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar".

E por isso eu peço à História
E aos guardiões da verdade
Permissão para escrever
Com natural liberdade
Solto no tempo e no espaço
Um tema sobre Cangaço
Justiça, Moralidade.

O tempo bom já se foi
Muita gente pensa assim
E se a vida era difícil
Por certo está mais ruim
Parece até que este mundo
Mergulha num caos profundo
Já decretando o seu fim.

Hoje em dia só se vê
Guerra, seqüestro, atentado
Miséria, fome, doença
Vulcão, enchente, tornado
Desemprego, violência
Corrupção, indecência
Se espalham por todo lado.

Os jovens sem esperança
Que haja melhores dias
Se entregam logo às drogas
À s badernas e às orgias
Amparando-se em galeras
Se tornam vorazes feras
Fazendo selvagerias.

Políticos demagogos
Jurando santa inocência
Só se elegendo por serem
Uns ladrões de consciência
Mantendo o povo carente
E por isso dependente
Dos programas de assistência.

Também os capitalistas
Que lucram com a pobreza
Dão apoio a esses homens
Pensando só na riqueza
Nos bancos seu saldo cresce
Enquanto o povo padece
Sem comida sobre a mesa.

Pior mesmo são aqueles
Que plantam a tal da maconha
Vendendo falsa alegria
A quem a ela se exponha
Perde a liberdade, o tino
Se tornando um libertino
Viciado e sem-vergonha.

Mas a praga mais atroz
Atende por Impunidade
Quem tem poder pinta e borda
Quer no campo ou na cidade
Porém nada lhe acontece
Só o pobre é quem conhece
O rigor da autoridade.

E aí o povo pira
Sem saber o que fazer
Quem é reto raramente
Prova o gosto do vencer
Já o troncho se sai bem
Mangando sempre de quem
Vive no mundo a perder.

Mas no Nordeste houve um tempo
Que a coisa foi diferente
Os poderosos de antanho
Sentiram que à sua frente
Um outro poder nascia
Afrontando a tirania
Sem temer ouro ou patente.

Velames e macambiras
Deram moldura à odisséia
E muitos já escreveram
Sobre essa grande epopéia
Como eu nunca pesquisei
Com o pouco do que eu sei
Aqui dou só uma idéia.

Quer força seria esta
Que causou apreensão
A quem achava ter o
Mundo na palma da mão
Foi ela um cabra-da-peste
Este El Cid do Nordeste
VIRGULINO, LAMPIÃO

Por muito tempo causou
Grandioso rebuliço
Enfrentando os poderosos
- O povo precisa disso -
Desde quando começou
Virgulino demonstrou
Que não brincava em serviço.

Igual ao vate Camões
Na luta perdeu uma vista
Mas em termos de campanha
Foi um bom estrategista
Em fileira a tropa andava
E o derradeiro apagava
Seus rastros, pra não dar pista.

Se morresse um cangaceiro
Levavam o corpo consigo
Escondendo pois a baixa
Confundindo o inimigo
A outro seu nome dava
E a macacada pensava
Que ainda era o antigo.

São estes rasos exemplos
Da sua pródiga malícia
Por isso Lampião foi
Expoente na milícia
Sendo assim, anos a fio
Com astúcia conseguiu
Dar um quinau na polícia.

A quem tinha o bom guardado
Pedia contribuição
Se atendesse ao pedido
Dava eterna gratidão
Mas ai daquele sujeito
Que dissesse "não" ao pleito
Do Grande Rei do Sertão.

Não há bom sem ter defeito
Sempre ouvi do meu avô
Se matou gente inocente
E moçoilas profanou
Foram cenas isoladas
Em horas desatinadas
Isso Deus
lhe perdoou.

O que vinga para a História
É que o grande Virgulino
Procurou fazer justiça
Forjado pelo destino
À elite fazendo ver
A pujança e o poder
Do matuto nordestino.

Porém na Fazenda Angicos
Essa fase se findou
O poder dos potentados
De novo sozinho reinou
Mas para o povo sofrido
Lampião não foi vencido
Não morreu, só dormitou.

Mas o Sino-Salomão
Acabou de revelar
Que esses modernos algozes
Não perdem por esperar
Pois pra nossa salvação
O nosso herói, Lampião
Breve, breve, irá voltar.

Já formou sua nova tropa
Seu roteiro está traçado
Muita arma e munição
Deixa o bando preparado
Da alpercata à testeira
Pra cantar "Mulher Rendeira"
E se esbaldar no xaxado.

Pra não perder muito tempo
Nem sair da direção
Se verá na próxima estrofe
Uma curta relação
Cujos nomes metem medo
E revelam um segredo:
São os cabras de Lampião.

Inocêncio, Meteoro
Pau-de-Sebo, Mutirão
Torpedo, Dila, Vandame
Zé Orvalho, João Tufão
Raio Laser, Mó-Sentado
Rola-Grossa, Delegado
Terremoto e Folião.

Começarão perseguindo
O cafajeste que ilude
Crianças que mal adentram
No verdor da juventude
Pra vender corpo e moral
Esse vai morrer no pau
Sem ninguém que lhe ajude.

Prefeito que contratar
Trio Elétrico no São João
Renegando a melodia
De xote, coco e baião
Ficará nuzinho, pelado
Para dançar um xaxado
De costas pra Lampião.

Mas também quem só gastar
Grandes somas de dinheiro
Com essas bandas medíocres
Que tocam forró fuleiro
Inventado por cearense
Manda avisar que não pense
Que escapa do cangaceiro.

Sua Excelência, o político
Que não honrar seu mandato
Crescendo às custas do sangue
Do povo ordeiro e pacato
Lampião já avisou:
A esse perdão não dou
Mas lhe surro, capo e mato.

Salteador das estradas
Cantadas por Marcolino
Se não der um basta nisso
Será triste o seu destino
Vai comer quilo de sal
E engolir um Sonrisal
A mando de Virgulino.

E o plantador de maconha
Perdição da juventude
Trate logo de parar
Peça que o bom Deus lhe ajude
Mas caso não se arrependa
Faça logo a encomenda
Ligeiro, dum ataúde.

Onde e quando voltará
Ninguém tem convicção
Mas parece que o Nordeste
Só tem mesmo solução
Com a vinda de um sujeito
Com raça, coragem e peito
Do valente Lampião.

FIM

quarta-feira, maio 24, 2006

Dança Pernambuco!


Em 1985 recebi a encomenda de escrever um cordel que serviria como programa do DANÇA PERNAMBUCO!, espetáculo de dança popular montado por um grupo do mesmo nome, cordel este que deveria explorar como tema as diversas danças que compunham a apresentação. Foi este meu segundo cordel publicado.



As deusas da criação
me mandaram escrever
umas linhas instrutivas
para o povo conhecer
nossas danças populares
e as tentar reviver.

Não sei se é luz divina
ou raios do Universo
- alguma força pagã?
Que ora me deixa imerso
no éter da poesia
delineando o meu verso.

Neste momento específico
eu me vejo preparado
para relatar em verso
o que tenho observado
nas vilas e arrebaldes
por onde eu tenho passado.

Viajei por mil lugares
procurando nas andanças
recolher informações
para conhecer as danças
do FOLCLORE BRASILEIRO
nos folguedos e festanças.

De mais valor descobri
que o negro escravizado
entre o branco e o indígena
sempre foi o mais dotado
para a dança e para a música
tendo papel consagrado.

Além de criar os seus
ritmos peculiares
integrou-se aos folguedos
de origens seculares
pondo um tempero africano
nas danças doutros lugares.

O negro foi quem mais deu
danças à nossa Nação
apesar de viver sempre
numa eterna escravidão
ontem, corrente e chicotes
hoje, discriminação.

Por isso neste trabalho
haverá em quantidade
danças de origem negra
pois elas são na verdade
retrato de uma raça
de muita criatividade.

O índio, pobre coitado
não construiu fortaleza
quase que foi dizimado
pela gente portuguesa
sua cultura tão rica
não teve grande defesa.

Mas as danças populares
agora serão descritas
quem já viu, verá de novo
como elas são bonitas
cheias de cores e brilhos
nas pedras, contas e fitas.

No batuque na Mãe África
em noite de devoção
fez-se o samba e lundu
no banzo da solidão
do cansaço, dos chicotes
nas costas em punição.

Das aldeias de outrora
deixadas em Zanzibar
retorceram na memória
os reinos do além-mar
cativos, os seus axés
se fizeram acompanhar.

E havia os Reis de Congo
pelos pretos respeitados
e nas noites em que eles
deviam ser coroados
os batuques pelas ruas
seriam logo escutados.

E no adro da igreja
com toda corte real
o rei e a sua rainha
em destaque especial
dançavam com os seus súditos
até o sol dar seu sinal.

Saía então pelas ruas
o cortejo desfilando
um rasgo de liberdade
por sobre a noite cantando
assim, o MARACATU
na época foi se formando.

No início era um cortejo
ao afoxé comparado
mas depois se transformou
no MARACATU falado
cuja nação mais famosa
foi O LEÃO COROADO.

No batuque, nas baianas
no baque solto ou virado
nos caboclos, guarda-sol
damas-de-paço, de lado
resistem para manter
a magia do passado.

Escravos no cativeiro
treinavam por brincadeira
para ficarem em forma
na sua dança ligeira
era o JOGO-DE-ANGOLA
origem da CAPOEIRA.

Não foi aceita por brancos
a polícia perseguiu
e das ruas do Recife
a capoeira sumiu
deixando rastro no passo
de onde o FREVO surgiu.

Os negros na capoeira
mostram todo seu vigor
os movimentos sutis
retratam com esplendor
uma luta nacional
que vai ter o seu valor.

O berimbau-de-barriga
num ritmado dolente
marca o compasso dos passos
num jogo malemolente
de pernas, braços e troncos
coreograficamente.

Quando os clarins anunciam
estimulando o mormaço
Pernambuco inteiro pula
com todo desembaraço
desenhando pelas ruas
o improviso do passo.

Um FREVO altissonante
alucina a multidão
que encontra nesse binário
um eco pra ilusão
(ofuscar todos problemas
na "tesoura", no "rojão").

São movimentos viris
são brados duma euforia
toda avenida tomada
de cores, sons, alegria
com blocos, clubes e troças
efervescendo a folia.

E durante esses três dias
o frevo tem seu reinado
nas ruas pernambucana
mas vem sendo ameaçado
pela degeneração
do frevo eletrificado.

Das verdes matas de outrora
por entre ruas avança
formado por dois cordões
no vigor febril da dança
os "CABOCLINHOS" ligeiro
nos traz do índio a lembrança.

Herança dos Tabajaras,
Tupis e Tupinambás
numa dança vigorosa
encantadora demais
ao som de gaita e da caixa,
bombo e caracaxás.

E das preacas batendo
pra fazer a marcação
os cabeçotes de penas
de aves como pavão
multicores, enfeitadas
reluzindo sedução.

Tem uma coreografia
que é bastante variada
"aldeia", "cipó", "toré",
o "baiano", a "emboscada",
"traidor", "passo-de-guerra",
de pés em pés recriada.

Maracatu, caboclinhos
junto ao frevo sem igual
foram o tripé da festa
que se chama CARNAVAL
na terra pernambucana
de renome nacional.

Atravessando o compasso
do tempo, grande armadilha,
vamos às danças de junho
COCO, CIRANDA e QUADRILHA
damas da festa com quem
o XAXADO compartilha.

Na noite em que a mãe Lua
mostra a sua exuberância
e as águas do oceano
à praia trazem fragrância
a CIRANDA vai rodando
qual brincadeira da infância.

Caixa, zabumba e ganzá
num toque demais cadente
marcam o giro da roda
que se forma de repente
mãos nunca antes tocadas
se unem fraternamente.

E no balanço do mar
sob a lua prateada
a roda da fantasia
vai pelo mestre guiada
cheiro de peixe no ar
das águas da madrugada.

Mas ela vai mais distante
nos engenhos, frente à cana
nos morros, nos arrabaldes,
roda nos fins-de-semana
nas cidadelas da Zona
da Mata pernambucana.

Lá das cortes imperiais
uma dança de salão
veio pro meio do povo
espalhou-se no sertão
a QUADRILHA européia
fincou-se no nosso chão.

"Alavantu", "grande roda",
"olha a chuva", "balancê",
nas noites de São João
é sempre o que a gente vê
o mestre na marcação:
- "Changê-de-damas", "voltê"...

Se realiza o casório
como comédia singela
juntos, todos personagens,
armando grande novela
pra casar o noivo astuto
que não quer mais a "donzela".

"COCO-DE-RODA-PRAIEIRO"
no solo pernambucano
no Ceará diz: - presente!
e tem o coco-alagoano
mas também se "quebra coco"
no brejo paraibano.

MINEIRO-PAU, BAMBELÔ
e o COCO-DE-EMBOLADA
frutos da mesma semente
pelo Nordeste espalhada
tendo a raiz africana
que à força aqui foi plantada.

Se teve origem africana
não se livrou da influência
dos índios com seus bailados
e foi dançado em residências
hoje se mostra nas ruas
em vias de decadência.

- "O meu barco é um veleiro
pelas ondas deste mar"-
- "Oh menina, vem pro coco
vem pro coco balançar! -
- "Venha cá, moça bonita,
me dê um laço de fita
para de ti me lembrar".

E no tempo do cangaço
no mato foram criados
cantos de guerra dos grupos
antes dos choques armados
eram "macaco" e "jagunço"
brigando desnorteados.

E daí nos veio o XAXADO
dança muito interessante
xaxando, são as chinelas
em movimento raspante
a sola por sobre o chão
fazendo um som bem marcante.

De primeiro era dançada
por cabra-macho somente
mas mulher hoje em dia
na dança se faz presente
embelezando o XAXADO
dança de cabra valente.

Essas são as principais
danças em exibição
nas festa do mês de Junho
em louvor a São João,
a Santo Antônio e a São Pedro
do litoral ao sertão.

Avançaremos nos meses
como um fiel peregrino
pra louvar o nascimento
do Senhor Jesus Menino
com danças que fazem parte
deste ciclo natalino.

Natal, Ano Novo, Reis
as três datas principais
de louvor e de folguedos
nas vilas, nos arraiais
com estas danças herdadas
de nossos avós, nossos pais.

Dança de grande beleza
no folclore brasileiro
transformou-se no REISADO
que terá o seu roteiro
famosa nas Alagoas
tem o nome de GUERREIRO.

O GUERREIRO é uma dança
onde os seus executantes
trazem vestes coloridas,
reluzentes e brilhantes
espelhos, contas e fitas
multicores, contrastantes.

Trazem nas mãos espadas
e chapéus especiais
coroas, cones, tiaras,
pirâmides e catedrais
estes dançantes guerreiros
se destacam dos demais.

Fazem a sua louvação
ao dono da moradia
ao Jesus Cristo e Reis
São José, Virgem Maria
depois se vão para a sala
dançar com grande alegria.

As espadas se tocando
em bonitas embaixadas
entoam loas e cânticos
marchas e outras toadas
fazem as danças de guerra
cadentes e compassadas.

Também existe o REISADO
neste ciclo natalino
é dançado em toda parte
deste solo nordestino
homenagem aos Reis Magos
que saudaram o Deus-Menino.

Toada, loa, entremeio
numa noite de Natal
relembrando o nascimento
do Filho Celestial
alegremente cantando
revivendo o ritual.

Tem suas variações
de um pra outro lugar
vão andando pelas ruas
numa casa vão parar
aos donos pedem licença
e entram para dançar.

Como fossem os pastores
que nas terras de Belém
visitaram o Deus-Menino
venerando o Sumo-Bem
eles cantam, brincam, dançam
da forma que lhes convém.

Tem rei, mestre e contramestre
palhaço e embaixadores,
contraguias, contrapassos,
junto a outro dançadores
tem Mateus e Catirina
pro gracejo dos senhores.

Todas suas fantasias
tão ricamente adornadas
saiotes de cetineta
chapéus de abas dobradas
com espelhinhos e fitas
de cores bem variadas.

Integrante do REISADO
ou reisado independente
o nosso BUMBA-MEU-BOI
pelo Brasil diz presente
desde o sul até o norte
mas com feição diferente.

BUMBA-MEU-BOI, BOI-BUMBÁ
- vem comandar, Capitão!
O teu CAVALO-MARINHO
quer começar a função
chama Mateus, Catirina,
a Caipora e o Bastião.

Chama o Babau e a Ema,
o Jaraguá, o Vaqueiro...
chama todos pra arena
pra dançar neste terreiro
o folguedo mais autêntico
do folclore brasileiro.

Morra o boi e ressuscite
para brincar novamente
onde estão as bexigadas
para bater no Valente,
no Padre, na Zabelê,
para alegrar toda gente.

Além destas mais comuns
nas festas de fim-de-ano
tem o PASTORIL (PRESÉPIO)
que difere do profano
no tema religioso
que domina todo plano.

O PRESÉPIO geralmente
é composto por mocinhas
vestidas como a Diana,
a Cigana e pastorinhas
e ao longo das jornadas
entoam tenras marchinhas.

As pastoras vão formando
os cordões de cada lado
de um, o cordão azul
e do outro o encarnado
e no PASTORIL PROFANO
tem mais o velho safado.

Com o seu rosto pintado,
paletó extravagante
tira marchas, diz piadas
não pára um só instante
é no pastoril profano
o velho, seu comandante.

O Exótico, o deboche
a picardia presente
penetrando a madrugada
para a platéia assistente
compra "votos" dos cordões
cada qual mais indecente.

Somente agora me veio
este folguedo à lembrança
que semelhança possui
com outra de nossa dança
esta dança é o FANDANGO
bem semelhante à CHEGANÇA.

O FANDANGO nordestino
é um auto popular
sobre a Nau Catarineta
pelos mares a vagar
sete anos e um dia
sem achar onde atracar.

Se acabam os mantimentos
e o pobre do Capitão
por acaso é sorteado
a servir como ração
para que sobrevivesse
da nau a tripulação.

Mas graças à Providência
bem no momento fatal
o gajeiro galga o mastro
e salva o pobre mortal
"Avista terras de Espanha
Areias de Portugal..."

do BATUQUE nós tivemos
o LUNDU, que nos legou
o seu filho, nosso SAMBA
que pelo Brasil se espalhou
também nos deu o MAXIXE
que muito tempo reinou.

No LUNDU, dança lasciva
excitante, sensual
a cabrocha vai pro centro
com requebros sem igual
faz convite a um parceiro
para formar um casal.

O instinto fala alto
e surge na roda então
um companheiro excitado
pela grande sedução
num ritual de requebros
libido e excitação.

Como o LUNDU de outrora
o MAXIXE tem também
um cheirinho de pecado
que não faz mal a ninguém
o corpo malemolente
procurando ir mais além.

Dois parceiros excitados
se exibindo à vontade
nos lembram os negros nos
ritos de fertilidade
pois o MAXIXE possui
grande sensualidade.

É dança brasileiríssima
que se encontra esquecida
merece ser preservada
pelos jovens conhecida
além disso, executada
divulgada e mais querida.

O SAMBA é mais cadência
relemexo nas cadeiras
sapateado liberto
nas ruas e nas gafieiras
e tem mais aceitação
entre as danças brasileiras.

O nosso país precisa
com rigor e com urgência
divulgar nossa cultura
que está numa insolvência
valorizar o estrangeiro
dá-nos fatal dependência.
FIM

Primeiro folheto: Homenagem de um folião ao maior carnaval do mundo

Este folheto é filho do casamento de duas das minhas maiores paixões: o carnaval do recifense e a poesia popular. Foi escrito em 1984 , fruto da convivência com o pessoal do Balé Popular do Recife e com a turma de poetas e admiradores da poesia que naquela época frequentava a Praça do Sebo, mais especificamente no box de Pedro Américo, grande incentivador dos meus delitos poéticos (até hoje). Minha frustração é que até hoje não encontrei ninguém que tenha aprendido um PASSO sequer a partir dessas explicações poéticas. De qualquer forma, acho que a tentativa foi válida.

RECIFE-CARNAVAL, FREVO E PASSO

Eis o primeiro trabalho
deste pretenso poeta
que se julga imaturo
mas com a sua musa inquieta
desejando aprimorar-se
para perseguir sua meta.

Feita a apresentação
do trabalho inicial
vamos conhecer um pouco
deste nosso carnaval
e depois cair no frevo
sempre que der para tal.

Povo de todo lugar
de toda classe ou toda cor
ao escutar os acordes
seja de que frevo for
se embala na frevança
ao frevo dá seu valor.

Igualmente a uma pluma
assim o passista dança
seu reinado é a folia
a alegria, sua festança
o corpo seu instrumento
que na "frevura" se lança.

Com movimentos sutis
ele segura a sombrinha
dançando bem à vontade
dá um Vôo-de-andorinha
depois faz evolução
com um Passeio-na-Pracinha.

O Banho-de-Mar,o Martelo
A Ligadura ou Patinho
O Ferrolho, a Dobradiça
O Girassol e o Barquinho
o passista quando é bom
não sua seu colarinho.

Com os seus passos seguros
Carrossel, Locomotiva
Pernada, Saci, Rojão
numa dança tão ativa
já é quase centenária
mas cada vez tá mais viva.

A Tesoura, o Abre-alas
a Tramela, o Saca-rolha
o passista é tão leve
parece até uma folha
quer se alongue na tramela
ou noutro passo se encolha.

Verdadeiros criadores
de uma dança tão bela
se perdem na omissão
de suas vidas singelas
dançar é a terapia
pra ocultar as mazelas.

Santo Antônio e São José
locais que são os cenários
onde o povo se alucina
em mundos imaginários
de cores, sons, alegria
luzes e encantos vários.

Tem Pierrô, Colombina
tem Pirata e Arlequim
tem o árabe, e o palhaço,
papangu e mandarim,
paetês, miçangas, plumas
lantejoulas e cetim.

Confetes banham os astros
do planisfério momesco
em três dias de alegria
de aspecto pitoresco
não existe rico ou pobre
apenas carnavalesco.

Nos Batutas, nos Donzelos,
no Galo-da-Madrugada,
Lenhadores e Madeira
Banhistas e Pás Douradas
Vassourinhas altaneiro
tem sua glória forjada.

Tem troças, blocos e clubes
a formar um só cordão
arrastando pelas ruas
uma imensa multidão
faz correr em sangue novo
os fluidos da tradição.

Tem o Boi e a La Ursa
caboclinhos, maracatu
as almas e as caveiras
o travesti, papangu,
a gelada e a batida
de cajá, coco e caju.

Morenas de Afogados
ou lá de Casa Amarela
se feias ficam bonitas
quando estão na passarela
brilhando num luxo falso
igualmente a Cinderela.

Fiz a apresentação
dos componentes reais
presentes todos os anos
nesses nossos carnavais
saber assim não tem graça
ver ao vivo encanta mais.

Não é preciso convite
nem também muito dinheiro
basta um short e uma blusa
e um sapato bem maneiro
se misture ao nosso povo
e caia no passo ligeiro.

Pra não ter decepção
treine uns passos de frevo
se acostume com o chão
conheça bem seu relevo
e para então lhe ajudar
alguns deles eu descrevo:

O Pontilhando é um passo
muito fácil de dançar
se apóie em uma perna
com a outra chute o ar
se apóie nesta agora
repita com a de lá.

Levantando a direita
pois de lado pise então
mas somente o calcanhar
é que vai tocar no chão
pise agora do outro lado
refazendo a mesma ação.

Este aqui é o Saci
e fazê-lo é um barato
apóie a perna na outra
dum quatro eis o retrato
mova prum lado e pro outro
complementando de fato.

Pra fazer o Girassol
não tem nenhum atropelo
os pés juntos, um virado
caindo no tornozelo
muda-se depois de base
desenrolando o novelo.

O Parafuso é um passo
do Girassol derivado
da mesma forma, porém
num giro bem compassado
agachando todo o corpo
de um modo ritmado.

Parafusando é o mesmo
que parafusar no chão
o corpo todo encolhido
um pé virado, outro não
o giro em um sentido
em contínua rotação.

Para aumentar o espaço
afastando a multidão
temos passos específicos
que são feitos de explosão
Pernadas e Abre-alas
como também o Rojão.

A Pernada é chutar alto
com lateral movimento
assim, alternadamente
fazendo o revezamento
o recuo é natural
no mesmo exato momento.

O Abre-Alas é assim:
as pernas meio afastadas
braços segurando escudos
em posições arqueadas
movendo-se para os lados
soltando cotoveladas.

Da base do Abre-Alas
iniciar um saci
fazer uma meia-volta
à base volta-se aí
o pé retorna ao chão
Voltar pela contra-mão
para o Rojão prosseguir.

O Passeio-na-Pracinha
é muito cheio de graça
com uma perna na frente
a mesma por trás repassa
a base foge pro lado
em curtos passos se enlaça.

O Passeio-com-Sombrinha
é fácil de executar
mas requer um treinamento
para não se machucar
curvar os pés para frente
alternando-os ao andar.

Fazer agora o Ferrolho
veja você como é
abrir as pernas pro lado
calcanhar, ponta-de-pé
depois trocar os apoios
num embalo da maré.

A partir do movimento
temos uma variante
é fazer com rapidez
num estilo eletrizante
Ferrolhando-se assim
nesse passo interessante.

A Dobradiça é assim:
pernas em semi-flexão
e como apoio nós temos
as pontas-de-pé no chão
mudar para o calcanhar
as pernas em extensão.

Posição acocorada
com o tronco bem ereto
com uns pulinhos se gira
em um sentido correto
mantendo seu equilíbrio
num Carrossel bem discreto.

Da base do Carrossel
dá-se um pulo ligeiro
em apoio de Ferrolho
retorna-se ao primeiro
agora pro outro lado
fez Tramela, companheiro.

Mas voltando à mesma base
eis um passo que cativa:
esticando-se das pernas
de maneira alternativa
se uma vai, outra vem
se faz a Locomotiva.

Perna atrás outra na frente
qual soldado de brinquedo
ponta-de-pé, calcanhar
calcanhar, costas-do-dedo
movimentos simultâneos
do Barquinho eis o enredo.

Tem um passo sensual
muito fácil de fazer
partindo da dobradiça
as duas pernas estender
joga o tronco a frente para
Chã-de-Barriguinha ter.

Com o mesmo movimento
sendo agora para trás
projetando-se a bunda
numa atitude fugaz
se quiser Chã-de-Bundinha
eis o jeito que se faz.

Estes passos derradeiros
poderão também ser feitos
movendo-se para os lados
em movimentos perfeitos
ficando assim mais charmosos
realçando seus efeitos.

Destes passos dei a dica
das etapas principais
mas pra pegar o molejo
é preciso um algo mais:
é olhar atentamente
o "dono dos carnavais".

Não se aprende só com aula
o frevo bom verdadeiro
é nas ruas de Olinda
e pelo Recife inteiro
por entre o povo suado
fazendo o passo rasgado
entrando no "formigueiro".

Mostrei aqui alguns passos
mas podem ser um milhão
depende de cada um
usar a imaginação
observando ao redor
que o frevo tá na amplidão.

Homenageio ao Egídio,
Coruja grande passista
e Nascimento do Passo
vem completar minha lista
representam com relevo
imagem real do frevo
onde quer que ele exista.

FIM

O Marco Cibernético


Inauguro meu blog postando um poema muito significativo para mim, pois além de ter sido através dele que vi meu trabalho reconhecido pelos que estudam e pesquisam a poesia popular nordestina, ele também é um manifesto, um reflexão de como penso e sinto a cultura popular inserida no nosso contexto atual. Ei-lo:



Analisei meu sistema
de construir poesia
explicitei variáveis
debuguei a teoria
nesse meu fazer poético
fiz a reengenharia.

Abri mão de alguns preceitos
definindo objetivo
deletando os paradigmas
que deixavam-me inativo
hoje escrevo em notebook
de um modo interativo.

Não preciso da INTERNET
para acessar minha musa
quem assim crer, certamente
tem uma mente obtusa
pois nenhum computador
me dirá como produza.

Nos primórdios desta arte
quando um poeta fecundo
escrevia seus romances
tinha um trabalho profundo
um a um, manualmente
reproduzia pro mundo.

Só depois veio a imprensa
com a sua tipografia
cópias mil rapidamente
brotavam de noite a dia
só assim se espalhou
no sertão a poesia.

E nas décadas recentes
com xerox e off-set
o cordel sobreviveu
naquilo que lhe compete
concretizar qualquer tema
que um poeta projete.

Se pena, lápis, caneta
cumpriram sua missão
e a máquina de escrever
deu sua contribuição
que mal há em nos valermos
da nova computação.

Não importa por qual via
o verso chegue ao leitor
se impresso em tipos móveis
fax ou computador
impor sim, que traduza
um espírito criador.

Sendo assim vou digitando
os versos neste teclado
e após dar uns retoques
pra ficar do meu agrado
faço, refaço e altero
somente o que julgo errado.

Já concluído o trabalho
devidamente editado
em VENTURA ou PAGE MAKER
o verei concretizado
do micro pra impressora
num instante é transportado.

Se tenho poucos recursos
faço pequena edição
distribuo com aquele
que tem admiração
pela arte popular
e preserva a tradição.

Se um, ou dois, ou três centos
de folhetos vão à praça
narrando fatos singelos
com arte, malícia e graça
a tradição do cordel
nesse recanto perpassa.

Sou vate moderno, pois
uso a tecnologia
mas procuro ser fiel
à minha filosofia
de manter toda a estética
secular da poesia.

Confio que essa ação
de algum modo incentiva
alguém mais a escrever
e buscar alternativa
para que nosso cordel
se renove e sobreviva.

Musa minha, por favor
não se sinta desprezada
somente por minha lira
ficar informatizada
pois rendi-me à HIGH-TEC
pra vê-la ressuscitada.

Pra defender a minha trova
e o meu trabalho poético
projetei um monumento
de grande valor estético
que virá ser conhecido
como o MARCO CIBERNÉTICO.

Projetei num AUTOCAD
(programa pra arquiteto,
engenheiro e coisa e tal)
e a partir desse projeto
construirei esse Marco
no meu canto predileto.

Aqui mesmo em Timbaúba
ele será erigido
as paredes de plutônio
o deixarão garantido
até contra a bomba-atômica
ela estará protegido.

Por câmaras diminutas
aos milhares espalhadas
estará monitorado
em todas suas entradas
barrando assim as visitas
tidas como indesejadas.

No Marco só entra quem
dispuser de sua senha
ou um cartão magnético
que por acaso detenha
ou então qualquer artista
que com boa intenção venha.

Faróis de infravermelho
importados do Japão
farão com que os sensores
em qualquer situação
percebam os intrusos
até na escuridão.

Todo sistema do Marco
até mesmo o mais banal
será também controlado
num computador central
mesmo que falte energia
seu uso será normal.

Estará bem protegido
da poluição sonora
dos carros de propaganda
(valei-me Nossa Senhora!)
e dos cantores medíocres
que surgem de hora em hora.

Antenas muito sensíveis
todos os sons filtrarão
Beethoven, Gonzaga, Beatles
nenhum problema terão
mas os falsos sertanejos
na certa não passarão.

Um tal de HOUSE também
nem adianta tentar
pois no meu Marco só toca
se for música popular
do tipo de Geraldinho,
Zeto, Xangai, Elomar.

O Marco também terá
um grande pátio de eventos
onde artistas brasileiros
mostrarão os seus talentos
e o povo terá acesso
a mais de 100.000 assentos.

Esta praça disporá
duma sonorização
de primeira qualidade
e boa amplificação
mas os vizinhos do Marco
não se incomodarão.

A acústica desse Marco
será bastante avançada
a qualidade do som
será bem eqüalizada
mas quem estiver de fora
de dentro não ouve nada.

E canhões de raios laser
hão de projetar imagem
nos céus, daqueles artistas
que já fizeram a viagem
derradeira desta vida,
numa justa homenagem.

Dois robôs armoriais
vão trabalhar de porteiros
e barrarão sem temor
vagabundos, forasteiros,
vendedores de consórcios
e outros aventureiros.

Quem achar que com robôs
a recepção será fria
há de encontrar-se com jovens
esbanjando simpatia
na chegada do meu Marco
só falando em poesia.

Neste Marco Cibernético
haverá uma editora
para publicar poetas
também uma gravadora
e que for artista plástico
terá uma curadora.

No Marco os computadores
estarão interligados
às grandes instituições
e a muitos bancos de dados
e quem quiser fazer uso
tem acessos liberados.

Um sistema mais moderno
no marco todos terão
de TV interativa
de alta definição
onde o espectador
faz a sua programação.

No meu Marco a multimídia
será tema corriqueiro
teremos CD-ROM sobre
embolador, violeiro,
rezador, homem-da-cobra,
doutor-raiz e vaqueiro.

A Vida de Vitalino,
de Padim Ciço Romão
e do Capitão Pereira,
de Pinto e do Frei Damião,
Leandro, Zé Marcolino,
de Gonzaga e Lampião.

No meu Marco Cibernético
toda essa inovação
estará sempre a serviço
de uma preservação
dos nossos velhos costumes
sem ferir a tradição.

As violas terão vez
em toda a festividade
junto ao pandeiro e rabeca
estarão bem à vontade
em convivência pacífica
com toda modernidade.

As crianças no meu Marco
desde cedo irão usar
os recursos da informática
para melhor estudar
mas também irão ter chance
de aprender improvisar.

Ainda enfrento um problema
de difícil solução
pois não achei quem fizesse
pequena adaptação
num forno de microondas
conforme a minha intenção.

No projeto desse forno
um grande grupo se empenha
para que esse microondas
uma qualidade tenha
deixe o gosto da comida
como cozida na lenha.

Para dormir no meu Marco
em cada um aposento
tem cama, também tem rede
que dispõe dum instrumento
que ela balança sozinha
num ritmo gostoso e lento.

E na sala de visita
terá poltrona macia
na qual um dispositivo
nos renova a energia
com massagens relaxantes
para os desgastes do dia.

Se acaso quiser com
alguém me comunicar
no meu Marco Cibernético
falo de qualquer lugar
porque tem sistema de
telefone celular.

As escolas do meu Marco
irão ter computador
em cada sala de aula
para que o professor
tenha mais um instrumento
de ensino a seu dispor.

No Marco também terá
a arte pernambucana:
os anjos de Zé do Carmo
artesão lá de Goiana
de Tracunhaém a arte
que do barro lá emana.

As redes de Timbaúba
os bordados de Passira
e também lá de Pesqueira
que todo mundo admira
nesse meu Marco há de ter
quem duvidar que confira!

Peças de papel-marchê
de Luciana do Pina
outras do Mestre Saúba
grande artesão de Carpina
e as carrancas de Ana
vindas lá de Petrolina.

Terá máquina de ficha
muito moderna e bacana
no lugar de Coca-Cola
criação americana
há de servir bem gelado
o doce caldo-de-cana.

Uma rede de franchising
em português é franquia
no meu Marco instalarei
para servir iguaria
qual Restaurante de Mira
ou o Buraco da Jia.

Com bode assado ou cozido,
sarapatel e buchada,
mão-de-vaca, manguzá,
com caranguejo e peixada
e galinha à cabidela
a mesa estará forrada.

Quando o Marco Cibernético
ficar pronto e acabado
você, meu caro leitor
irá ser meu convidado
para a inauguração
aguarde então meu chamado.

Hoje o Marco é só um sonho
porém não só ilusão
pois acho perfeitamente
que pode haver união
entre o novo e o antigo
concorda comigo, ou não?

FIM

Escrito em 1995